À tarde, o Fu Critter nem quis saber de deixar a segurança do hotel, mas a Capi foi passear. Logo ali ao lado, deu com uma enorme construção cheia de luzes e cores.
-- Oh! – exclamou. – Um Templo de Consumo!
(Money, Money, Money | Abba)
(Tive sorte: o cartão de crédito estava comigo, em Palo Alto.)
(Material Girl | Madonna)
Logo foi abordada por um dos Sumos Sacerdotes:
-- Bom dia! Meu nome é Floyd. Em que posso ajudá-la?
-- Eu sou a Capivara. Estou só olhando.
-- Fique à vontade. Qualquer coisa que precisar, é só chamar.
-- Vem cá. De quadrúpede para quadrúpede: você também foi preso?
-- Eu? Não, nunca fiz nada de errado.
-- Eu também não, mas mesmo assim, quando cheguei aqui, passei um tempão sem saber o que ia acontecer comigo.
-- Você acha que não fez nada errado, mas certamente fez. Estrangeiros são sempre perigosos, uma ameaça ao American Way of Life. As pessoas que tomam conta das fronteiras são pagas para manter os estrangeiros no seu devido lugar.
-- Os oficiais nazistas também eram pagos para manter os judeus no seu devido lugar.
-- Nazistas? Gozado, passei a vida toda aqui na Califórnia e nunca ouvi falar dessa seita.
-- Alemanha, anos 30...
-- Ah. Mas eu sou cidadão americano. E nasci no novo milênio. Como é que você quer que eu conheça uma seita asiática tão antiga?
-- A Alemanha fica na Europa.
-- É tudo a mesma coisa. Todos têm inveja dos Estados Unidos.
-- Você acha mesmo?
-- Tenho certeza! Não há país tão rico e poderoso como o nosso. Todo mundo quer vir morar aqui.
(Comfortably Numb | Pink Floyd)
-- Floyd, eu não quero morar aqui!
-- Ah, e depois diz que não fez nada errado. Você é comunista?
-- Não.
-- Estranho. Os caras da imigração não fazem nada à toa! Os Estados Unidos são a pátria da liberdade, você nunca ouviu isso?
-- Ouvir eu até ouvi. Mas... ah, deixa pra lá. Obrigada pelo papo. Vou indo.
-- Não vai levar nada?
-- Tou sem grana.
-- Nós aceitamos todos os cartões de crédito.
-- Não tenho cartão.
-- Faça um cartão da loja. Você tem crédito pré-aprovado, e 10% de desconto nas compras feitas hoje.
-- Hey, dude, hel-lo! Você não está vendo? Eu sou uma capivara! Capivaras não trabalham, não têm crédito, não fazem compras.
-- Ah, mas nos Estados Unidos todo mundo tem crédito!
O encontro deixou a Capi muito perturbada. Ela é ruim de contas, coitada, mas na sua cabeça aquilo não fazia o menor sentido. Como é que todo mundo podia ter crédito?!
Bom, tudo isso foi escrito há dois anos, bem antes da crise. Mas a Capivara, que é uma capivara, já tinha sacado que essa história de crédito ilimitado não podia mesmo dar certo...
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